panorâmicas

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a evolução do homem

sábado, 29 de março de 2008

nada se cria, tudo se transforma (complementa o ontem)

há dois anos esperei pra chegar hoje. não porque desde o primeiro dia de trabalho que eu já queria abandonar o trabalho. mas porque esse dia que chegaria seria o decisivo. quando eu comecei a trabalhar, depois de terminada a faculdade, foi enfim a alforria da dependência (e por conseguinte a conquista da independência), foi o início de uma vida de construção. tudo que todo mundo quer. até aqui nada de novo. (aquela manhã de fevereiro) foi uma glória. mas foi um dia cheio de dúvida também. o que eu vou ser quando crescer? o que eu vou escolher daqui pra frente? estava com a caneta e o cérebro nas mãos, e não sabia nem por onde começar a abrir as gavetas. passei dois anos pensando, e como pensei, e chorei. fui e voltei, escolhi e risquei, aprendi e detestei, encontrei e deixei. viajei. continuei pensando e confirmando a certeza que aquilo, realmente não era o que eu pretendia pra minha vidinha crescida, mas o que eu queria? eu também não tinha a menor idéia. e de repente, numa tarde inesperada (aquela tarde de novembro), fui surpreendentemente apresentada a uma idéia nova e inusitada. fazer uma escolha que pra mim, foi desde o começo realmente a última alternativa. mas a oportunidade inesperada nasceu, modelou-se com gracejo, sorriu com ternura e cresceu vigorosa e rápida sob meus olhos, sobre os nossos olhos. e fui desapropriando em mim o espaço da minha própria duvida e da minha despretensiosa intenção, com um sim, uma esperança e um novo rascunho surgiram e subitamente, encontrei a gaveta certa pra abrir. há dois anos esperei pra chegar hoje. mas agora, esse dia (esta tarde de abril) se aproxima com tanta ânsia que, pasme, tive medo. não sei também se é medo, ou se é na verdade receio, êxtase e admiração, juntos, mesclados num mesmo universo. de repente aquilo tudo que eu subestimei por dois anos mostrou-se como o sólido alicerce real da minha caminhada. a sola da minha sandália, rasgada e gasta. só nestes últimos dias, em que me vejo cumprindo meu papel, livre do peso da insatisfação que vim trazendo comigo nesses longos meses, percebi quanta falta isso vai fazer e quanta angústia amargurada e afogada que vim carregando se vai; me deixando agora respirar a saudável liberdade, despretensiosamente. não termino essa semana com desprezo. ao contrário, com irreverência, termino apenas interpretando esta pausa do recesso do dia internacional do trabalho como a minha pausa de transição. e (nessa manhã de maio) recomeço outro play para o qual se diz: não é uma nova profissão, eu só mudei meu ponto de vista. passei a ver através de outros olhos, dos olhos dos outros.

(maria fernanda)

sexta-feira, 28 de março de 2008

larguei meu emprego - experimente largar o seu - recomeçando

larguei meu emprego.
desse jeito. simples como escrever essa frase - experimente, dá uma sensação de leveza de espírito (se é que espírito pesa).
acordei numa segunda, depois de ter passado uma madruga virando na cama mais que churrasco em padaria, e com aquele olho de baiacu, sobre o travesseiro molhado de lágrimas e a decisão mais sensata que eu devia ter era aproveitar a deixa e largar meu emprego.
já estava insatisfeita, já não aguentava mais ir e vir, queria mudar e faltava coragem, aquela madrugada fatídica e todo aquele vazio que eu sentia por ter sido deixada, realmente eram a gota d'água que faltava, não eram? se tudo já tinha dado errado, que mal tem em largar o emprego e ir em busca de algo novo!
liguei pra minha chefe e comuniquei: 'olha só, como já havia adiantado, pretendia mudar de trabalho, essa data chegou, vou viajar essa semana, volto na outra e fico até dia 20'...assim, simples, direto, de direita, na cara.
e acordei na outra sexta, desempregada.
alívio.
alívi.
alív.
alí.
ali a tortura,
tensão, tensão. e agora?
de repente, me dei conta que a tal madrugada fatídica passou, ele foi embora, com as coisas que ele nem tinha (as que ficaram foram pro lixo), o dia adormeceu e despertou seguidamente, ele sumiu definitivamente (e também passou), e as contas começaram a chegar.
e o que tinha sido tão fácil, passou a ser a tormenta.agora, nem posso pensar em repetir aquela frase, nem vou reler.naquela segunda ele até valia uma das lágrimas, mas hoje, não dá pra comparar nem com o lenço que usei. teria então valido meu emprego? teria valido meu sossego e a serenidade da decisão? será que não devia ter sido mais ponderada?
não sei dizer.mas hoje estou correndo atrás do tempo perdido com ele, do tempo perdido sem me encontrar, do tempo perdido que se perdeu num tempo, que finalmente, está se encontrando novamente.

(maria fernanda)

quinta-feira, 27 de março de 2008

visto de partida

prevew:
petrolina fica à beira do rio são francisco e em torno dela existe um projeto de irrigação do vale, projeto de irrigação senador nilo coelho, de alguns pouco mais de 30Km de raio de extensão. o projeto é divivido em bairros, os núcleos, e em cada núcleo existe uma sede, a vila, onde tem casas e moram os trabalhadores das fazendas dispersas no vale e no projeto. lagoa grande é uma cidade que fica a 50km de petrolina e a uns 20Km dos projetos.
essa é curta mas é curiosa.

senhor antônio, um senhor idoso, 75 anos, paciente da unidade de saúde, em lagoa grande/pe. hipertenso, chegou à consulta, ansioso e preocupado, porque queria viajar. queria ferias. "pois não seu antônio, e o que foi que houve então?" sr antônio, solicita: "a senhora autoriza que eu vá tirar férias?", mas eu? autorizar? lógico! sou apenas a médica. ao menos, questionei, pra onde ele iria: "pra casa do meu filho, na vila do núcleo 8 do projeto nilo coelho". um senhor de 75 anos, me pedindo autorização pra viajar 20km pra casa do seu filho. acho que nunca na vida vou ouvir caso semelhante.

duas semanas depois retorna sr antônio das férias, e eu, empolgada pra saber como tinha sido, ouvi, de duas contas azuis transbordando em lágrimas que insistiam em não cair pela face, apenas inundar a órbita... "dra. foram as férias mais tristes que eu já tive, vi coisas que nunca pensei ainda ver em toda minha vida. não fui pra casa do meu filho na vila do projeto, fui pra casa da minha filha, numa acampamento de sem-terra, a uns 60km daqui. vi gente sendo assaltada todo dia, crianças maltratadas, fome e miséria. sofri, senti dor no peito, muita tristeza."

o que eu podia dizer aquele que eu tinha "autorizado" a viagem. tinha ouvido de um senhor um depoimento simples e sofrido da realidade do nosso país. "vá pra vila da próxima vez, sr antônio, sem surpresas pro seu coração!"... que outro conselho eu podia dar para alguém que depositou em mim a esperança das férias em família e ao contrário, vivenciou em família o sofrimento dos sem esperança.

(maria fernanda)

quarta-feira, 26 de março de 2008

carnaval na bahia!

foram anos de expectativa. foram segundos de constatação. desde minha infância, passei os carnavais no sul do país. lá o feriado de carnaval tem uma conotação de um grande feriadão, cuja quarta-feira nos revela o verdadeiro fim do verão; as férias acabaram e agora o ano começa pra valer. aliás, lá, aqui no nordeste, centro-oeste ou em qualquer lugar do brasil, isso é o fato. o carnaval encerra a temporada. no sul, a tendência é irmos à praia, com amigos, parentes, família, namorado, para curtir os quatro dias de happy end. na areia, na piscina ou saindo à noite às baladas e bares, que estão mais cheios que em toda temporada (ouvindo um pouco de axé com pagode e samba no ritmo frenético mais que o habitual), quando na quarta, é mandatário pegar congestionamentos homéricos nas rodovias para voltar antes do meio-dia. pela televisão, contemplam-se os desfiles na sapucaí, os shows magníficos em salvador e recife, os blocos organizados, a venda de abadás e ingressos. pela televisão. lá não há carnaval de rua, não há a tal festa popular. mas desde a adolescência ouço falar do carnaval do nordeste, em especial claro, o carnaval da bahia. e esse ano, foi o ano da revelação: “finalmente vou passar meu primeiro carnaval na bahia”. e fui. e vi. e ouvi. e reparei. e por fim, verifiquei. quando me vi no meio da multidão, esperando o bloco passar, fui tomada pela seguinte e objetiva pergunta: “é isso? esperei tanto tempo pra isso?”. ressalto aqui que em nenhum momento essa indagação soou um sentido de decepção ou degradação da festa. não sei quanto de sonho eu trazia dentro de mim e também não sei ao certo descrever o que eu esperava encontrar, porque nem eu sei honestamente o que eu imaginava que seria meu primeiro carnaval na bahia. só posso dizer que a realidade confrontou meus dois extremos: minha expectativa era completamente diferente da minha constatação. nem melhor, nem pior. apenas, e muito, diferente. de início, fiquei observando atenta e curiosa a todos os passos e acontecimentos, como se quisesse registrar aquilo pra eternidade. aos poucos, fui reparando nos detalhes, nas peculiaridades de cada folião, na alegria que cada um traz consigo. já com algum tempo, meus pés começaram sozinhos, timidamente, a bater as pontinhas no chão, e o quadril balançando pra lá e pra cá, debilmente. o acanhado corpo, aos poucos, contagiou-se, e quando passava das duas, estava agitando os braços no meio de todos. não posso dar uma nota a minha primeira experiência baiana. contudo, posso afirmar com toda a certeza: a expectativa é a mais ardilosa maquiagem. te faz viver duas vezes a mesma experiência: a vida antes, e a vida agora.

(maria fernanda)

domingo, 23 de março de 2008

a diferença que faz...

conversa vai conversa vem
pensei naquele borrão que você se tornou,
quando passei a não mais te criar.

quando eu mesma me belisquei.
percebi que bela mancha que ao surgir,
eu poderia docemente lapidar.
gentilmente contornar,
lentamente colorir.

escrever um diário, numa folha em branco?
ou uma mancha que tem por fim.
tornar-se uma pintura, uma obra, ou simplesmente.
continuar um borrão?

o que muda nisso tudo, é só o resultado.
a intensidade do sentimento,

pra vivenciar sua recriação,
e a maravilha de te planejar.

é a diferença que faz.

(maria fernanda)

sábado, 22 de março de 2008

quem é você?

quem é você que me desperta do sonho,
me embala em sono,
e corre nas veias

quem é você que acende a luz,
preenche o vazio,
que aquece o frio?

quem é você que me cobra,
que me dispensa e reencontra,
desdenha e recomeça?

quem é você que me humilha,
me faz esperar e sonhar,
e jamais aparece?

quem é você, que tanto recebe,
aproveita, descarta
e volta a cativar?

quem é você, que me usa,
gasta, casta,
confunde, ilude e nada merece?

(maria fernanda)


sexta-feira, 21 de março de 2008

versinho com sono

com tantos sonhos pela vida,
passei o dia assim aqui a esperar,
aliás, foram tantos os sonhos,
todos tão perto,
todos em mim,
que quando resolvi sonhar,
acordei.

(maria fernanda)

domingo, 16 de março de 2008

fraquezas?

meu forte não são os sapatos.
que no chão pisam.
e nos saltos dançam.
meu forte são os pés.
que nos sapatos se apoiam.
nos saltos engrandecem.


meu forte não são os garfos.
que em si espetam.
e entre espaços perdem.
meus fortes são as conchas.
que reúnem e unem.
em porções transferem.

meu forte não são as palavras.
que superficiais sozinhas.
interrogam e afligem.
meu forte são os versos.
que em uníssono gritam.
representam e marcam.

(maria fernanda)

domingo, 9 de março de 2008

um pedido

eu teria te aceito de volta.
teria te acolhido em meus braços,
dentro do meu coração.
eu teria relevado todas as mentiras.
teria entendido todas tuas razões.
teria acreditado em todos os teus motivos.
eu teria realizado seus desejos,
teria te coberto de beijos.
teria te encontrado de novo.
inventaria desculpas;
aceitaria promessas;
faria novas juras.
teria revelado meus segredos,
e escutado tuas dores;
teria acolhido só suas angústias.
teria falado só as tuas vontades.
saberia só tuas verdades.
beberia somente seu amor.
dedicaria ainda mais tempo.
teria criado novas horas,
e cultivado novos hábitos.
teria te amado em dobro.
respeitaria ainda assim.
teria te querido muito mais.
teria sido de novo somente tua.
bastava um pedido teu.
perdoaria sem questionar.
porque sou mulher,
e era tua.

(maria fernanda)

sábado, 8 de março de 2008

sexta-feira, 7 de março de 2008

não belisca

andei mais duas quadras pra passar no seu trabalho. virei na outra esquina pra espiar seu portão de casa. sentei na mesa ao lado no bar no sábado a tarde. dei uma olhada discreta na hora que você passou folião no carnaval. se fui vista? não sei. esse mistério delicioso e essa relutância programada durou tempo. uma expectativa infantil, um sonho adolescente. quem é você? além do rapaz da loja, do bebedor do barzinho, do morador da rua detrás. além de todas as formas que você sempre se impôs em minhas fantasias, o que mais seria você? num impetuoso atropelo, numa pressa instintiva, uma mensagem, um adeus, um sorriso ingênuo te revelaram. quem continuaria sendo você, se eu tivesse te mantido imaginário?te ouvir foi te rascunhar.te encontrar foi te projetar.te beijar, ah!, te beijar, foi te apagar.eu mesma me belisquei, e assim, borrei por fim a melancólica maravilha que era te criar.

(maria fernanda)