panorâmicas

panorâmicas
a evolução do homem

domingo, 17 de fevereiro de 2008

reviver

te adorei mais que à própria vida;
desejei teu corpo como à liberdade;
sonhei-te como um vício;
planejei-te com doçura.

desprendi de mim qualquer possibilidade de um dia voltar a ser o que fui.
tu inovaste minha vida como quem dá cor a uma tela
e preencheste de luz o antigo vazio da minha alma.

rude e realista trouxe-me o hoje à mente,
a completa cruel certeza da incerteza,
a fragilidade dos sentimentos,
a dor invisível do fracasso.

tão rapidamente entraste e saíste: levaste contigo toda esperança.

deixaste-me só,
sem liberdade,
sem vício,
sem doce,
sem cor,
sem luz.

(maria fernanda)

sábado, 16 de fevereiro de 2008

deixa o tempo comigo

não preciso de ninguém dizendo onde está errado; ou que ele não te merecia; ou pior, que você merecia coisa melhor. não preciso do racional, do sensato, do justo. não aquele politicamente correto do seja forte, enfrente, lute, vá adiante. não preciso ninguém me apontando os defeitos e as falhas, porque estou vendo todas, e tanto estou vendo, e tão bem, que estou sofrendo. se a gente já não soubesse que está errado, e se a gente já não tivesse certeza que merecia coisa melhor, ou se a gente não fosse tão racional e justo, tão sensato e forte, se a gente não tivesse certeza de que uma hora vai passar, a gente se jogava do décimo andar, com cem quilos de arroz amarrados no corpo, pra queda ter mais peso e com a boca cheia de formigas pra queda ser bem dolorosa! a gente tá lutando sim, pra caramba. o que nos falta, e aí, isso são poucas as pessoas que conseguem perceber, é mimo. é aquele carinho, aquele cafuné descompromissado de resposta, aquele abraço, sem perguntar se você está melhor, porque é óbvio, pela sua cara, você não está melhor. é aquele afago na alma, dizer que sofreria por você, que não quer te ver triste assim, mas que se te escuta chorando, não vem com o discurso longo; se te vê chorando, te puxa a coberta, fecha a cortina, e deixa você quieta no seu canto. é desse tipo de carinho que a gente precisa. o carinho calado mas que fala mais alto. é esse carinho que faz você ter vontade de falar de vez em quando, e de repente, te faz se sentir perdendo tempo, e por um lapso, no meio do vazio, a gente levanta e faz uma coisa nova e volta ao casulo. mas essa oscilação do vai e volta, do estar bem estar mal, aí, é o começo, a glória, o início de uma nova fase, que muitas vezes, demora passar, mas, a gente sabe, não precisa repetir com cara de sabichão, passa, passa sim. deixa o tempo conosco, e deixe conosco o que a gente faz com o nosso tempo. uma hora, o tempo passou, a dor passou, e a gente fez dele, com ele, o que de melhor pôde.

(maria fernanda)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

o que me importa

já dizia chico, 'tem dias que a gente sente como quem partiu ou morreu'. a gente chega em casa antes do horário normal, achando que vai produzir horrores, e quando olha, não fez nada, não produziu nada, e já está na hora habitual de chegar. a gente nem bem chegou e o tempo partiu. e nesse mesmo dia de horas vazias com resoluções vazias, e nada acontece, como se a gente nem fizesse mais tanta diferença assim na vida, como mesmo quem morreu. são nessas horas que a gente se dá conta da nossa insignificante presença. o dia transcorre sem mais emoções e sem problemas, e você podia ter ficado deitado em casa o tempo todo que nada ia mudar. o telefone não toca, a vizinha não chama, a fome não vem. sua ausência é presente no começo, mas depois, a vida progride sem delongas. tem dias que a gente sente como quem viveu sem viver. como quem boceja sem ter sono. e nesses dias, a gente aprende a se aproveitar mais. porque aprende que partir ou morrer depende de nós, depende da importância que damos a nós mesmos.

(maria fernanda)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

bem que eu percebi...

a gente que vem pro nordeste tem o costume de achar que todo nordestino fala igual: o sotaque do baiano, do permabucano, do paraibano ou do cearense é sempre igual. curiosamente, a gente que vem pro nordeste tem o costume de causar a sensação que todo sulista fala a mesma coisa: o sotaque do carioca, do paulista, do paranaense ou do gaucho, é tudo a mesma coisa. venho de curitiba, falo curitibês. sou loira branquela e alta, venho de outro lugar do país. mas é só isso. meus pacientes acham isso uma atração à parte a minha profissão. em alguns lugares que trabalhei, já tive pacientes que agendaram consulta simplesmente pra poder ver de perto a doutora galega que chegou. "mas o senhor sente alguma coisa? não, doutora, só queria saber como é a senhora porque tá todo mundo comentando". já tive pacientes que me pergutaram se eu era boliviana (nego esta nacionalidade uma vez por semana, mas já estou começando a questioná-la!), colombiana, argentina, ou, bizarramente, das filipinas. mas tudo bem. o pior vem quando é a primeira consulta, a paciente passa o tempo da consulta te examinando, e vem o desfecho. você está explicando a receita, "senhora, 5mL do xarope, de seis em seis horas, ou seja, às seis da manhã, ao meio dia, às seis da tarde... vou repetir pra senhora não ter dúvida... à meia noite", e pra conferir, pergunta: "entendeu?", e a paciente docemente responde a sua pergunta, "a senhora não é daqui, é?"... bom, realmente, não entendeu, nem me escutou, não está nem aí pro tratamento, sobre o que mesmo eu falei, foi sobre átomos, fecundação ou jardinagem? e, com o mesmo sorriso paciente e dócil, respondo, sempre igual, "não senhora, não sou daqui, sou do sul do país." alguns aceitam essa afirmativa de maneira simplista, como uma resposta completa, definitiva e suficiente. outros, porém, advém com complementações, e aí sim, vale a pena conferir. "ah, do sul, bem que eu percebi pelo sotaque...", ou, "do sul? a senhora tem certeza que não é colombiana?", ou pra mim, a melhor resposta: "do sul, já tinha percebido, sou bom pra reconhecer sotaques"... meu amigo japonês (japonês, filho de japoneses, olhos puxados, assim, alguém bem típico de sua etnia nipônica) já passou por situação semelhante, "sim, sou japonês...", e a resposta, à altura... "percebi, sou boa pra reconhecer japoneses"... será que é tão difícil ser normal? (aqui, ali, ou em qualquer lugar?)...

domingo, 10 de fevereiro de 2008